Lançamento agosto 9, 2025
POV ARTHUR LEYWIN
Virando a pedra na palma da mão, encarei as fissuras que se aprofundavam em sua superfície multifacetada. Um único pulso agudo de poder, e ela foi destruída. Contudo, foi necessário. Um pequeno sacrifício, considerando o todo. Afinal, com seu propósito cumprido, para que serviria agora?
Pensei em recorrer ao Réquiem de Aroa. Se impulsionasse éter por ele com a arte aevum, poderia reverter o desgaste do tempo e restaurar a relíquia. Estava hesitante, no entanto. Com um suspiro, deixei a pedra sobre a mesa lateral ao lado da cama e me levantei, observando o quarto como se o visse pela primeira vez.
O quarto principal da minha nova residência era um espaço amplo e arejado. A cama de dossel, grande demais, dominava uma das paredes, enquanto a parede adjacente era um painel translúcido de mana, que servia tanto como janela quanto como porta, permitindo-me atravessar para a varanda que contornava minha nova casa, nos arredores de Ashber. No momento, a propriedade inteira estava coberta pela sombra projetada por um dos anéis de Epheotus, mas eu sabia que, em poucos minutos, isso passaria, antes que todos começassem a chegar.
Uma cascata descia pela parede oposta, abastecendo um reservatório que se escoava para outras partes da casa, purificando-se magicamente ao longo do caminho. Havia duas escrivaninhas, uma para Tessia e outra para mim e, em um canto, uma estátua em tamanho real de Wren Kain IV, perfeitamente replicada — que eu certamente moveria para um lugar menos invasivo assim que os convidados fossem embora.
A propriedade era muito mais luxuosa do que eu estava acostumado. Maior e mais imponente que a casa dos Helstea, em Xyrus; mais confortável que o castelo voador; mais mágica que o palácio élfico de Zestier. Depois de apenas algumas semanas, ainda não parecia de fato um lar.
Atravessei a parede de mana e saí para a varanda, que dava vista para um lago extenso e, ao longe, as Grandes Montanhas. Desviando o olhar ligeiramente para o sul, eu podia distinguir a linha fina da Espiral, a centenas de quilômetros, mas elevando-se até onde os Anéis de Epheotus pairavam no céu, como se os sustentassem.
A propriedade e seus arredores se estendiam ocupavam exatamente o lugar onde outrora ficava a modesta fazenda dos meus pais — aquela que destruí quando despertei, aos três anos de idade. A maior parte de Ashber foi abandonada nas fases finais da guerra, e um grupo de amigos e conhecidos adquiriu metade da cidade em meu nome. Agora, via dúzias de carroças passando todos os dias, trazendo gente de volta.
Eu ainda não sabia bem como me sentir. Não estava particularmente habituado ou confortável com receber presentes, então, ter ganhado uma mansão imensa, luxuosa, indescritível, e todas as terras ao redor…
Rindo do meu próprio desconforto, inclinei-me sobre o parapeito e contemplei o lago, observando uma sombra colossal passar logo abaixo da superfície, um brilho sutil de dourado reluzindo através da água de um azul quase irreal. Boo, sentado à margem, batia com uma pata enorme na água, como se ansiasse por capturar o peixe dourado gigantesco que habitava o lago conjurado.
Os Glayder, por meio de seus agentes, haviam providenciado a aquisição das terras ao redor do pequeno lote pertencente à minha mãe. Os lordes anões criaram um fundo para custear a manutenção dos terrenos enquanto um Leywin aqui residisse. Grande parte da mansão havia sido cultivada, não construída, por uma equipe de titãs e hamadríades trabalhando em conjunto com elfos enviados de Elenoir. Os elementos mágicos eram alimentados por imensos cristais de mana doados por Seris, recuperados do tesouro de Agrona. O próprio Veruhn moldou o lago e o encheu com águas do oceano próximo à sua casa, agora uma faixa de água correndo ao longo da borda inferior do Anel mais baixo de Epheotus. Ao norte do lago, havia um campo repleto de wogarts, cortesia de Alaric e Darrin.
Eram apenas alguns dos recursos, presentes e acréscimos oferecidos ao meu novo lar.
— Nada mal para tirar as botas depois de salvar o mundo — disse Regis, quando pusemos os olhos na casa pela primeira vez. Minha mãe desabou em lágrimas, enquanto Ellie, ainda um tanto desorientada pelo tempo que passou na dimensão de bolso, perguntou, de forma muito direta, se deveria começar a se preparar para pequenos Arthurs e Tessias correndo pela mansão…
Sorri com a lembrança.
Havia quartos permanentes para minha mãe, Ellie e Sylvie, e várias suítes para hóspedes — embora não o suficiente para acomodar todos os visitantes que esperávamos nos próximos dias.
Virei-me e olhei através da parede de mana para o quarto que agora dividia com Tessia. Parecia um sonho. Algo irreal que eu não deveria acreditar. Como se o destino fosse, a qualquer momento, puxar o tapete sob meus pés e me despertar. Ela havia partido, e eu nunca conseguia afastar completamente o temor de que cada vez que a visse poderia ser a última. E se ela não voltasse?
Meus pensamentos voltaram à pedra e, por um instante, senti-me tentado a restaurá-la com o Réquiem de Aroa, usá-la para saber como ela estava. E se…
Afastei o impulso de me deixar levar pela espiral de ansiedade. Ela só tinha ido à cidade comprar mantimentos. Apesar de termos agora alguns empregados bem pagos para ajudar, Tessia insistiu em ir, levando Ellie para um momento de “união familiar”. Eu conseguia entender. Havia algo de reconfortante em fazer algo tão simples quanto comprar no pequeno mercado de Ashber, depois de tudo o que havíamos vivido.
Manter a mente sob controle vinha sendo difícil. O desejo constante de usar o Gambito do Rei era algo entre uma dependência e a sensação fantasma de um membro perdido. Sem ele, eu me sentia disperso, distraído.
Meus dedos pressionaram o esterno, mas isso não aliviou a dor em meu núcleo. Desde que retornei de Alacrya, não usei magia. Meu núcleo não absorvia mais éter, e meu reservatório estava quase esgotado. Embora não tivesse prova concreta, sentia, instintivamente, que quando o último resquício de éter se fosse, o núcleo se romperia, e eu…
Pigarreando, forcei-me a endireitar a postura e deixei a varanda, adentrando a casa. Todos os cômodos do andar de cima eram conectados por um mezanino que dava vista para o átrio. No centro, crescia uma árvore plantada num círculo de solo trazido do Monte Geolus; seus galhos se espalhavam largos, cobertos por folhas rosadas e frutos cintilantes em tons de arco-íris. Embora
soubesse que os frutos eram carregados de mana, não podia mais senti-la sem o Realmheart.
Valeu a pena, repeti para mim mesmo, uma frase que se tornou um mantra nas últimas semanas. Repetia toda vez que olhava para os Anéis de Epheotus, ou via a Espiral ao longe. Ou sentia meu núcleo estremecer. Ou via minha mãe, minha irmã. Regis, Sylvie. Ou recordava o toque espectral do espírito de meu pai em meu ombro.
Não importava o que acontecesse daqui em diante, não importava o preço que eu pagasse, teria valido a pena no final.
— Arthur?
Percebi que havia parado, meus pensamentos vagando enquanto fitava os galhos da árvore epheotana, um presente do clã Inthirah. Mamãe saiu do quarto sem que eu sequer ouvisse a porta abrir.
— Dormiu bem? — perguntei, tentando sorrir de forma reconfortante, para mostrar que estava bem.
Ela revirou os olhos.
— Eu estava lendo. Nem percebi que tinha cochilado. — Ela bocejou e se espreguiçou. — Acho que é isso que a idade faz com a gente.
Rindo, segurei seu braço, e descemos juntos as escadas, onde nossa cozinheira, Hela, havia preparado um lanchinho leve. Hela era uma jovem de Ashber que perdeu toda a família no ataque à caravana de Lilia. Contou-nos que simplesmente se aproximou dos asuras que moldavam a casa e perguntou se estávamos contratando ajuda. Mamãe não pensou duas vezes antes de aceitá-la.
Conversamos trivialidades enquanto comíamos no balcão da cozinha — em vez de na grande sala de jantar — e a primeira batida na porta veio quando terminávamos.
— Eu atendo! — anunciou mamãe, apressando-se para fora da cozinha.
Rindo sozinho, lavei rapidamente a louça e fui atrás dela, apoiando-me na parede do átrio enquanto ela abria a porta com entusiasmo. Do outro lado, estavam Jasmine, Helen e Durden. Por um instante, minha mente foi invadida pela lembrança viva de todos os Twin Horns: Adam Krensch, sorridente e bagunçando o cabelo; Angela Rose, já avançando para um abraço sufocante; e… meu pai, mais jovem e sem barba, rindo e provocando Adam.
— Ah, que bom que todos conseguiram vir! Estava preocupada que, agora aposentados, não topassem a viagem.
Jasmine franziu o rosto num fingimento teatral, os olhos vermelhos brilhando de diversão.
— Talvez tivéssemos que forçar um pouco a mão.
— Bem, eu só tenho uma! Vocês precisam tomar cuidado com ela — rebateu Durden, rindo de um jeito que me levou de volta às Grandes Montanhas, acampando e ouvindo meu pai conversar com ele e os outros.
Helen abraçou minha mãe, soltando um suspiro exausto.
— Por favor, Alice, me diga que você tem algo forte e caro para amenizar a viagem com esses dois.
Minha mãe riu, soando quinze anos mais jovem.
— Helen, querida, você não faz ideia.
Jasmine deu um tapinha no ombro de minha mãe ao passar por ela, olhando ao redor com as sobrancelhas erguidas.
— Uau. Que lugar. — Então, finalmente me notou. — Ah, meu pupilo inútil. Decepção do século. Não fez nada da vida, não é? Absolutamente nada. — Seus lábios tremeram num sorriso mal contido.
Respondi com um suspiro dramático, afastando-me da parede.
— Está completamente certa. Nunca terminei a escola, fracassei em dois empregos como professor, abandonei meu treinamento em Epheotus antes da hora…
Ela riu e jogou algo no ar.
Segurei a adaga pelo cabo, confuso.
— Uma das originais, lá de quando treinamos juntos na viagem de Ashber para Xyrus. — Ela desviou o olhar, um pouco constrangida. — Achei que talvez quisesse pendurar em algum lugar dessa sua mansão absurda. Para lembrar de quando você era só um garoto esquisito e confiante demais.
Deixei escapar uma risada, dissolvendo parte da tensão.
— Jasmine, eu gostava mais de você quando mal falava.
— Isso soa como desafio. — Ela assumiu uma postura de combate, saltitando nas pontas dos pés como uma lutadora.
— Levem isso para fora, vocês dois! — exclamou minha mãe, mordendo o lábio para não sorrir.
— É a minha casa — retruquei, mas avancei, agarrei Jasmine pelo tornozelo e a joguei no chão, então disparei pela porta, deixando a adaga nas mãos de minha mãe.
Minha mãe apenas piscou enquanto Jasmine soltava um “oof!” ao cair sentada, então ela se lançou atrás de mim, movida pelo vento sob seus pés.
— Crianças — ouvi Helen murmurar, acompanhada por uma risada calorosa de Durden, antes que a porta se fechasse.
Jasmine e eu passamos alguns minutos trocando golpes até que Boo, entediado por ter sido deixado de lado, investiu contra nós, derrubando-me no chão e tentando acertar algumas patadas inofensivas em Jasmine. Unimos forças contra o guardião, tentando conter o peso colossal dele até ficarmos todos ofegantes.
— Ei! Saiam de cima do meu vínculo! — A voz da minha irmã ecoou pelo pátio, fazendo-nos parar.
Ellie e Tessia se aproximavam, acompanhadas pelos três Helstea em uma carruagem puxada por bestas de mana. Os animais se assustaram quando Boo deu alguns passos largos em sua direção, mas Ellie o chamou de volta, saltando da carruagem com algo escondido atrás das costas.
Ajudei Jasmine a se levantar e fui cumprimentar os recém-chegados.
— Vincent, Tabitha, Lilia. Obrigado por terem vindo.
Conversamos sobre a viagem enquanto a carruagem era conduzida até as cocheiras por Jameson — antigo funcionário da Casa de Leilões Helstea e agora chefe da minha equipe doméstica. Ele se apressou para cumprimentar os Helstea, antes de levar a carruagem para o estábulo ao lado da casa, onde descarregaria as bagagens.
Parado diante da nova casa, Vincent soltou um assovio.
— Vi os projetos, foi um amigo arquiteto em Xyrus que ajudou a desenhá-los, sabe, mas ainda não tinha captado toda a grandiosidade. Esses asuras realmente sabem o que estão fazendo. — Ele se inclinou, me cutucando. — Talvez consiga me apresentar a alguns. Imagino que produtos feitos por asuras venderiam bem na Casa de Leilões.
— Pai… — Lilia resmungou, cansada.
A porta se abriu e mamãe apareceu, radiante ao ver os Helstea.
— Vocês chegaram! Como foi a viagem?
— Teria sido melhor se Tanner tivesse arranjado algumas asas-de-lâmina — resmungou Vincent.
— Pai! — exclamou Lilia novamente. — Você sabe que não há asas-de-lâmina e pilotos suficientes para transporte casual.
Qualquer um com um vínculo com uma besta mana voadora, ou a habilidade de pilotar uma sem vínculo, estava extremamente ocupado no momento. O fato de os Helstea estarem aqui já era notável, considerando o fluxo constante de voos da superfície até Xyrus. Não era surpresa que nem eles conseguissem alguém disposto a levá-los até o norte de Sapin.
— Deixe ele pra lá — disse Tabitha, abraçando minha mãe suavemente. — Na verdade, a viagem foi agradável. Fazia tempo que não viajávamos com calma, e é inspirador ver o povo de Sapin trabalhando com tanta energia. Há uma energia real lá fora, Alice. Esperança.
Conversando animadamente, minha mãe levou os Helstea para dentro. Ellie se juntou a nós, deixando Boo roendo um grande osso que trouxe do mercado. Tessia passou o braço pela minha cintura, apoiando a cabeça no meu ombro, um leve nervosismo nos olhos.
— Não se preocupe, esta casa é grande o suficiente para você se esconder quando precisar — brinquei. — Além disso, Sylvie deve voltar logo com Virion.
— Não é a festa que me preocupa — disse ela, entrelaçando o braço no meu e me apertando com força. — Estou animada para celebrar com todos. É seu aniversário, afinal. Mas… depois.
Eu sabia o que ela queria dizer. As últimas semanas, em que pudemos simplesmente existir juntos, foram maravilhosas, mas o mundo começava a nos cercar novamente. Virion, e todo o seu povo, precisava dela em Elenoir. Os elfos ainda lutavam para encontrar líderes entre eles. Trabalhando lado a lado com o Clã Asclepius, gerindo as relações com os alacryanos refugiados que permaneceram, negociando acordos com grupos de trabalho anões e até mesmo se comunicando com os asuras de Epheotus. Os elfos precisavam de servidores públicos e líderes intensamente dedicados.
Olhei para Tessia, sentindo a garganta apertar. Seu encontro inicial com Mordain acendeu uma amizade próxima, e ele a estava ensinando assim como ensinou a Anciã Rinia antes. Tessia não era vidente, mas Mordain tinha um dom genuíno para ajudar jovens magos a desbloquearem seu próprio poder. Os alacryanos refugiados já a respeitavam por ter sobrevivido a se tornar receptáculo de Cecilia, e ela passou mais tempo com os lordes dos clãs anões do que a maioria dos elfos.
E talvez ela não percebesse completamente, mas ser a destinatária de uma pérola de luto… bem, os olhos de toda a população asura a observavam de perto, para ver o que ela realizaria com essa segunda chance na vida. Veruhn até insinuou que a maioria a trataria como uma igual, como se fosse uma asura. Sorri para mim mesmo. Quando nos casássemos, ela se tornaria parte do Clã Leywin. Uma arconte.
— No que você está pensando? — perguntou ela, arqueando a sobrancelha. — A ideia de eu partir para Elenoir realmente te deixa tão feliz?
Peguei-a nos braços, fazendo-a soltar um gritinho.
— Meu coração se parte só de pensar em você partindo… mas o mundo precisa de você, Tessia Eralith.
— Precisa de nós dois — respondeu, tocando meu nariz.
Mesmo uma casa tão grande quanto a nova “Propriedade Leywin” parecia prestes a transbordar com a chegada de todos. O burburinho das conversas enchia cada canto da casa, e percebi que talvez não houvesse mesmo um lugar para me esconder disso tudo.
Eu me vi encurralado na sala de jantar, onde mordiscava nozes em intervalos irregulares, espremido entre Gideon e Wren, que discutiam animadamente sobre várias ideias novas surgidas após o que já chamavam de Confluência — a fusão do nosso mundo com Epheotus.
— Arthur, está ouvindo? — perguntou Gideon de repente, encarando-me por baixo de sobrancelhas brancas e ralas. — É algo empolgante, garoto!
— Ouvi você — respondi, desviando o olhar de Tessia, que ria com Lilia e Emily do outro lado da sala. — Meu velho conceito de trem a vapor. Eu me lembro.
Wren me deu um leve soco.
— Com os desafios de navegar este novo mundo, esse sistema de “trem” pode ser um grande equalizador.
— Já expandi aqueles projetos iniciais que discutimos… a o quê, uma década atrás? Mas com a guerra, nunca foi prático. Mesmo sem guerra, teria levado mais de uma década para implementar completamente, mas agora…
— Os túneis podem ficar prontos em meses, com ajuda do clã Kain — disse Wren. Não conseguia lembrar de tê-lo visto tão satisfeito com algo… nunca. — A construção dos mecanismos em si, em quantidade suficiente para estabelecer rotas conectando todas as grandes cidades, levará mais tempo, mas a primeira linha pode estar operacional quando toda a rede de túneis estiver concluída.
— E… quem concordou com esse projeto? — perguntei, muito curioso, considerando a situação tumultuada dos governos de Dicathen no momento. — E quem está financiando?
Gideon bufou.
— Os anões adoraram a ideia. Várias guildas já apresentaram propostas para participar do projeto. Eles ainda estão votando para esse novo… parlamento que delinearam, mas, assim que isso estiver resolvido e um novo rei for escolhido por meio de seus… testes, ou seja lá como chamam, não tenho dúvida de que teremos seu apoio total. Sapin, por outro lado…
Sapin havia sido governada por um rei e uma rainha por centenas de anos, depois supervisionada brevemente pelo conselho da Tri-união, composto pelos reis e rainhas anteriores de Sapin, Darv e Elenoir, mesmo que respondessem, em grande parte, a Aldir. Embora os anões tivessem sido rápidos em sugerir, adotar e começar a trabalhar em uma nova forma de governo para Darv, até o momento, o povo de Sapin enfrentava mais dificuldades.
Kathyln e Curtis estavam, claro, na linha de sucessão ao trono, mas se recusaram a reivindicá-lo. Recebi várias cartas pedindo minha orientação e sugerindo, não tão sutilmente, que eu deveria ser rei de Sapin. Não estou interessado.
— Os Glayder não concordam com nada, alegando que não têm autoridade até que a direção de Sapin seja definida — disse Gideon, com um tom meio incrédulo, meio irritado. Então, ele soltou uma risada aguda. — Ah, esqueci de mencionar: na verdade, disseram que, como “regente”, talvez você fosse o melhor para tomar essa decisão. Quando perguntei sobre a requisição de fundos, o jovem Curtis apenas desconversou.
— Bem, então, vocês têm meu total apoio — brinquei, mas logo recuei ao lembrar com quem estava falando. Gideon, não saia daqui pensando em usar meu nome para pressionar ninguém. Eu apoio vocês, mas não sou “regente” de nada, e, se querem que isso funcione, precisam passar pelos canais apropriados, como fizeram com o Batalhão de Quimeras.
— Não sei se ouvi essa última parte. — Gideon grunhiu, afundou na cadeira e começou a mastigar ruidosamente um punhado de grãos de milho fritos.
Wren, por outro lado, limitou-se a encolher os ombros.
— Uma transição de liderança como essa levaria cem anos em Epheotus. Garanto, meu clã está lá em cima, olhando para Dicathen, pasmos com o ritmo alucinante que vocês mantêm.
— Bom, eu não tenho mais dez mil anos para construir minha visão, tenho? — Gideon retrucou, seco.
Wren observou-o sem qualquer emoção.
— Você terá sorte se conseguir mais dez anos antes que o estresse autoinfligido o mate.
Os dois começaram a discutir, mas fui salvo pela aparição de Sylvie.
— Arthur, há uma visita inesperada.
— Ah. Peço desculpas — disse aos dois inventores em meio à disputa. — O dever chama. — Então, em voz baixa, enquanto me afastava com Sylvie, acrescentei: — Obrigado.
Ela apenas sorriu com um olhar cúmplice antes de me conduzir pelo átrio até o escritório no térreo.
Um homem alto, de físico atlético e cabeça raspada, estava de costas para a porta, contemplando um retrato de meu pai. Vestia a mesma túnica leve e justa, e calças folgadas que quase sempre usava.
— Kordri — chamei, surpreso. — Quando os outros chegaram, presumi que fossem todos os asuras que se juntariam a nós.
Ele se virou, estudando-me com seus quatro olhos âmbar antes de responder.
— Não os culpo por não me convidarem a descer de Epheotus para a ocasião. Aos meus olhos, parece que foi ontem que celebramos juntos seu aniversário.
Dei um sorriso irônico ao sério panteão.
— Não tenho certeza se celebrar é a palavra certa.
Ele apenas deu de ombros.
— Com tudo o que aconteceu, não tivemos a oportunidade de conversar.
Meu semblante se fechou ao sentir um aperto de arrependimento pela forma como as coisas se desenrolaram.
— Kordri… Sinto muito por Aldir. Espero que saiba que o que aconteceu… foi escolha dele.
Ele cruzou os braços e fitou os músculos definidos que se destacavam sob sua pele.
— É estranho. Não posso culpá-lo por nada disso, Arthur. Sei que fez apenas o que era necessário. Foi mais justo com os asuras do que talvez mereçamos. Não, o que realmente queria discutir com você… — Ele ergueu o olhar, fixando-me com intensidade. — Você teve notícias de Myre desde a Confluência?
— Não houve sinal dela nem do corpo de Kezess depois, não — respondi. É claro que essa informação já havia sido repassada aos outros Lordes, mas não me surpreendia que ainda não a tivessem divulgado ao seu povo.
— E a vontade dela? Você não sente a presença dela? — Sua voz tornou-se atipicamente suave.
Eu não usava a vontade desde a Confluência. A única sensação de magia que me restava era minha conexão com Regis e Sylvie. E mesmo esses haviam se enfraquecido.
— Não.
— Compreendo. — Ele ficou em silêncio por alguns segundos antes de continuar. — Foi bom vê-lo, Arthur, mas receio que minha presença aqui seja apenas uma distração para sua celebração. Por favor, visite-me em Fim da Batalha. Seria uma honra treinar com você novamente.
— Claro. Adoraria ver a Savana Cerúlea de perto, mas Kordri… — Hesitei, então me questionei o porquê e prossegui. — Você deveria ficar. É importante o povo de Epheotus e Alacrya interagir. Quer que a única impressão que tenham dos asuras venha de Riven Kothan?
Os quatro olhos de Kordri piscaram algumas vezes, seu rosto inexpressivo.
— Você tem um ponto. Talvez eu fique, nem que seja para causar boa impressão aos seus outros convidados.
Rindo, segui até o átrio. Ele continuou em direção à sala de jantar, onde a voz irritada de Wren Kain ecoava, mas eu parei sob a árvore por um momento, revivendo mentalmente nossa conversa.
Pelo canto do olho, avistei Ellie sentada no degrau mais baixo da escadaria do átrio, as sobrancelhas franzidas em uma expressão tensa.
Meu nome foi chamado de outra direção, e um pequeno grupo de visitantes acenou para mim, mas gesticulei pedindo um minuto e me aproximei de Ellie, sentando ao seu lado.
— O que está te incomodando?
— Nada — murmurou ela. Ao ouvir a própria voz, estremeceu e se endireitou. — Estou bem. É a festa de aniversário do meu irmão mais velho! Honestamente, estou me divertindo muito.
— Dá para perceber…
Ela me olhou de soslaio e então se encolheu levemente.
— Não sei. É só que… Ela agitou a mão como se tentasse espantar um inseto. — Tudo?
— Você não consegue relaxar — observei, ainda com a conversa com Kordri ecoando em meus pensamentos. — Entendo. Não é fácil desacelerar. Você lutou pela própria vida sem parar por anos. De repente, é jogada de volta a essa vida “normal”, algo que mal se lembra. Você ainda não saiu do modo de luta ou fuga.
Ela me encarou, surpresa, até que um sorriso envergonhado surgiu em seu rosto.
— Tá, não sabia que você era tão filosófico, Lorde Leywin.
Revirei os olhos.
— Você não está sozinha nisso, El. E não digo só por mim. Neste momento, centenas de milhares de pessoas estão passando pela mesma jornada pelo mundo todo. Até os asura. Todos ainda estão tentando entender o que tudo isso significa.
— Claro, mas… — Ela hesitou. — Eu não estou pronta para voltar a uma vida “normal”, Art. — Vi o medo em seus olhos. — Não quero que a parte mais importante da minha vida já tenha acabado, e agora seja só… Nem sei. Passear com Boo ao redor do lago e ser mimada? Praticar habilidades que nunca mais usarei?
Abri a boca para interromper, mas ela continuou, determinada:
— Não, escuta. Não me entenda mal, não quero que haja guerra nem nada do tipo, mas passei por tanta coisa, aprendi todas essas habilidades, até ganhei uma arma que ainda nem sei usar direito… Sinto que ainda há tanto que posso fazer, mas já me sinto sendo enjaulada. Tipo, “pronto, seu irmão salvou o mundo enquanto você estava escondida num bunker extradimensional, e agora acabou”…
Apoiei minha mão em sua perna, solidário.
— El, você é provavelmente a adolescente mais poderosa do mundo, em um mundo que continuará cheio de problemas. E, por ser quem é, se quiser intervir e resolvê-los, não tenho dúvidas de que conseguirá. O que precisa considerar não é o que fazer agora, mas como. Como usar seu poder e influência com responsabilidade. — Olhei para ela com seriedade. — Talvez seja isso que Silverlight ainda esteja esperando. Ver no que você se tornará.
Ela ficou inquieta, mexendo nas unhas, mas não respondeu imediatamente.
Sabia que a questão de Silverlight ainda a perturbava, mesmo que tentasse ser paciente.
— Sabe, aquele asura que passou agora era Kordri Thyestes, irmão de Aldir. Talvez ele possa te contar mais, sabe. Sobre a Silverlight.
A cabeça de Ellie ergueu-se abruptamente, seus olhos fixos na sala de jantar.
— Sério? É, talvez. Isso seria… legal.
— Ellie? Onde essa garota se meteu?
Nos viramos ao mesmo tempo que Naesia, filha de Novis Avignis, Lorde das fênix, surgia do corredor, procurando por alguém. Seus olhos pousaram em mim e em minha irmã e se iluminaram.
— Aí está você! Vamos, Eleanor, tenho mais perguntas…
Ellie mordeu o lábio, relaxando. Inclinando-se para mim, sussurrou:
— Ela tem uma queda enorme pelo Chul e não para de me perguntar sobre nossos… rituais de cortejo.
Franzi o cenho profundamente.
— E o que você sabe sobre isso?
Ela bufou e pisou no meu pé de propósito antes de passar o braço pelo de Naesia, esquecendo momentaneamente Kordri e Silverlight, e então minha irmã e a asura saíram pela porta da frente. Sabia que Chul estava lá fora, jogando algum esporte violento de asura com outros convidados, incluindo Riven Kothan e Mica.
Entretanto, pensar naqueles que estavam presentes inevitavelmente me levava àqueles que não estavam. Os Glayder não puderam deixar Etistin para a longa jornada até o leste. O mesmo valia para todos os meus amigos alacryanos; sem teletransporte entre continentes, exceto pelos portais nas profundezas da Espiral das Relictombs, dependíamos quase inteiramente de longas viagens de navio a vapor ou voos perigosos. Alguns do clã de Mordain estavam dispostos a transportar pessoas por motivos de necessidade, como a reunião entre todos os líderes mundiais, por exemplo, mas, pessoalmente, não considerava meu aniversário motivo suficiente para arrastar Caera ou qualquer outro através da vastidão do oceano nas costas de uma fênix.
A ausência contínua de Regis era ao mesmo tempo preocupante e decepcionante, mas tive que me acostumar com sua nova liberdade nas últimas semanas. Ele partiu com apenas poucas palavras, dizendo que tinha algo importante a fazer sem me contar o quê, e eu não ouvi nem um sussurro de seus pensamentos desde então.
Acima de tudo, porém, sentia falta do meu pai. Revê-lo, ouvir sua voz, reabriu algo dentro de mim. Agora que a guerra finalmente acabou, senti a dor de sua ausência com mais clareza. Sabia que, se estivesse ali, ele estaria lá fora, enfrentando Chul e Riven sem medo, sua natureza competitiva impedindo-o de recuar mesmo diante de divindades. Ele teria amado esta casa, mas, mais ainda, teria amado vê-la repleta de tantos amigos e entes queridos.
Minha mãe passou pelo átrio, conversando com Vanesy Glory, Claire Bladeheart e Tabitha. Ouvi algo sobre mostrar os jardins, e Vanesy me olhou, arqueando as sobrancelhas como quem diz: “Nada mal, garoto.” Claire, seguindo o olhar de Vanesy até mim, fez uma saudação militar, que retribuí de forma mais casual. Logo estavam lá fora, a voz da minha mãe se perdendo rapidamente no burburinho geral.
Passos soaram nas escadas atrás de mim, e Varay ocupou o lugar de Ellie. Ela começou a deixar o cabelo crescer de novo e parecia quase outra pessoa com uma túnica fluida e calças casuais.
— Faz a gente pensar, não é? — perguntei, recostando-me nos cotovelos. — O quê? — respondeu ela, girando uma bebida com gelo.
— O que teria acontecido se você tivesse deixado Bairon me matar naquele dia.
O tilintar do gelo parou.
— Não posso dizer que pensei muito nisso. Faz muito tempo desde que você era aquele garoto. Ou talvez nunca tenha sido.
— Enfim, ainda bem que me encontrou. Queria dizer… — Esfreguei a nuca, hesitante. — Bem, queria me desculpar. Por enganar todos quando precisei entrar na última pedra-chave djinn. Achei que era o único jeito.
A expressão dela não mudou.
— Não precisa. Você fez o que julgou necessário, e funcionou. O inimigo e meus erros quase me mataram… Mas é o que acontece na guerra. No fim, sobrevivi e alcancei a Integração, e isso vale o preço de quase morrer.
— E agora que atingiu o estágio de Integração, o que você vai fazer?
Um leve sorriso surgiu nos lábios de Varay.
— Curtis Glayder pediu que eu continuasse como Lança até que Sapin defina sua nova liderança, mas Vanesy Glory também me procurou, interessada em reabrir a Academia Xyrus. Quer que eu ensine alunos avançados sobre Integração. — Ela encolheu os ombros, um gesto nada característico. — Quando eu estava lutando para alcançar minha Integração, foi Tessia quem me apoiou. Pensei em passar um tempo com ela agora, guiando-a pelo mesmo caminho. Tenho certeza de que ela pode atingir o estágio de Integração com tempo e esforço.
— E então alguém de cada raça terá alcançado a Integração — disse devagar, acompanhando seu raciocínio.
— Na minha experiência, é mais fácil de manter a paz quando todos os lados têm poder equivalente — respondeu, embora seus olhos tenham fugido para o teto. Sabia que ela não olhava para o átrio, mas para os Anéis de Epheotus além dele. — Pelo menos aqui embaixo.
— Professora Varay… — disse, fingindo ponderar o título. — Sempre seguindo meus passos.
Seu punho de gelo golpeou meu ombro, mas sem força para doer.
Eu ri.
— Sua ajuda significaria muito para ela — comentei, voltando ao assunto de Tessia. — Ela não fala muito sobre isso, mas a perda do poder do Legado, não a força, mas a forma como ela via e sentia a mana, deixou um vazio em seu espírito. Ela merece isso… e os elfos também, se a Integração for possível… — Deixei a frase morrer, perdido em pensamentos sobre o que poderia mudar se Tessia alcançasse a Integração.
— Arthur?
Levantei os olhos para o rosto preocupado de Varay e percebi que devia estar franzindo a testa.
— Desculpe. É… nada.
O olhar que ela me deu foi penetrante.
— Não chamaria o que você está passando de nada. Acha possível que você esteja alcançando seu próprio estágio de Integração?
Hesitei em responder. Poderia dar uma resposta evasiva para lhe dar esperança e me proteger, como fiz com quase todos que perguntaram, exceto minha família, claro, mas Varay merecia a verdade. Depois de mim, ela era provavelmente a guerreira e maga mais poderosa de Dicathen ou Alacrya. Independentemente do futuro, ela seria fundamental em sua construção.
— Não estou — respondi, mantendo a voz baixa para que nossa conversa se perdesse no ruído de fundo. — Quando o último resquício do meu poder se esgotar, meu núcleo etéreo se romperá, e os pedaços do meu núcleo de mana serão absorvidos de volta pelo meu corpo. Minha magia estará acabada.
Ela assentiu enquanto eu falava, sem piedade, sem tentar me consolar.
— E essas “runas divinas” e formas de feitiço?
Balancei a cabeça ligeiramente.
— Sem acesso a mana ou éter, ficarão inertes.
— E tem certeza disso?
Forcei um sorriso dolorido.
— Tenho, sim.
Ela se levantou, virou-se abruptamente e curvou-se profundamente. Olhei nervosamente ao redor, mas, por um breve momento, estávamos sozinhos.
— Seu sacrifício, então, não será em vão, Arthur. Você e os seus sempre serão protegidos, e aqueles de nós com poder para isso nunca deixarão de trabalhar para realizar sua visão.
Eu me levantei, rindo, enquanto Varay se endireitava.
— Não precisa ser tão formal. Além disso, nunca disse que ficarei impotente e precisando de proteção. — Dei-lhe um sorriso malicioso, mas, antes que ela pudesse perguntar mais, uma batida soou na porta da frente.
A porta estava aberta, e três pessoas que não reconheci imediatamente estavam paradas nela. Ao me aproximar, abri a boca para cumprimentá-los quando o reconhecimento finalmente chegou. À frente, estava um homem que eu só poderia descrever como pequeno, com cabelos loiros e olhos azuis brilhantes, parecendo extremamente nervoso. Atrás dele, uma mulher baixa e atlética e um guerreiro alto e robusto, com cabelos desalinhados mal penteados.
— Stannard! Caria, Darvus… — Parei ao chegar à porta, olhando para os três em choque. — O que vocês estão fazendo aqui?
Eles trocaram olhares aliviados.
— Arthur Leywin. Que bom que encontramos o lugar certo.
— Difícil de errar — murmurou Caria atrás dele.
— Nós… ouvimos dizer que Tessia Eralith estava morando aqui? — Stannard continuou, ficando nervoso novamente.
Meu sorriso, que se formou por um breve momento enquanto falavam, desvaneceu quando a lembrança da separação de Tessia e seu grupo anterior emergiu através da névoa de memórias antigas.
— Ela está. E podem parar de parecer tão preocupados. Ela vai ficar radiante ao ver vocês.
Minhas palavras foram como um bálsamo para os três guerreiros, que relaxaram cada um à sua maneira. Estava prestes a chamar Tessia quando ela surgiu apressadamente no átrio, vinda da sala de jantar. Seu rosto praticamente brilhou ao ver sua antiga equipe, e seus olhos encheram-se de lágrimas.
Ela correu até a porta, mas parou logo antes de se jogar em um abraço coletivo. Caria, no entanto, passou por Stannard e envolveu Tessia com seus braços musculosos, erguendo-a do chão em um aperto forte.
Os três riram e começaram a conversar animadamente enquanto Tessia os convidava para a sala, puxando-os para dentro a fim de por a conversa em dia. Ela me lançou um olhar grato por cima da cabeça de Caria, mordendo levemente o lábio antes de me enviar um beijo, que fingi pegar e pressionar contra o coração.
— Ah, esse é um bom movimento. Gostei muito e vou lembrar dele.
Virei-me, surpreso, e vi Chul parado à porta.
— O quê?
— Esse negócio de soprar e pegar o beijo. Estava com dificuldade para descobrir como me aproximar de Naesia e expressar meus sentimentos, e gostei desse movimento. Você vai ter que me ensinar mais formas de cortejar a Dama Avignis, meu irmão no romance.
Senti minhas bochechas ficarem vermelhas contra a minha vontade, e lutei para encontrar palavras. Felizmente, fui salvo de responder por um clarão de luz violeta cruzando o céu, que fez Chul dar alguns passos rápidos para trás e soltar um grito animado.
Regis, na forma de um lobo das sombras gigante com asas de fogo brilhante, pousou graciosamente a alguns metros de distância. Ele trazia uma passageira, que deslizou de suas costas, as pernas vacilantes ao tocar o chão. Antes de se virar para nós, ela tentou arrumar os cabelos azul-marinho desalinhados e endireitar seu traje de montaria cinza-escuro.
— Apresentando Lady Caera Denoir, do Domínio Central, em Alacrya — anunciou Regis com um sotaque nobre exagerado.
Caera deu um tapa em seu flanco antes de finalmente se virar.
— Surpresa?
— Sim! — rugiu Chul, correndo para colocar Regis em uma gravata e esmagar Caera em um abraço lateral. — Bem na hora de jogar “scrum” conosco! É um jogo maravilhosamente violento e desafiador. Com vocês dois e Arthur…
— Nada disso! — A voz de minha mãe cortou o ar enquanto ela aparecia atrás de mim no átrio, provavelmente tendo retornado dos jardins. — Este é o aniversário do Arthur, e é hora do bolo e dos presentes! Chul, vá chamar os outros de volta para casa.
— Sim, Lady Leywin! — Ele ergueu a mão em uma saudação militar antes de sair correndo novamente.
— Bem-vindo de volta, Regis, e claro, Caera querida, você também. Que bom que ele conseguiu trazê-la a tempo.
— Mãe — falei, em tom suplicante, passando o braço por seus ombros. — Tenho, tipo, meio milhão de anos agora. Acho que já passei da idade de bolo e presentes no meu aniversário.
— Bobagem — retrucou ela, bem-humorada. — Você é meu bebê, e não me importa se viveu mil vidas. Além disso, não comemoramos seu aniversário direito há anos. Agora não arranje confusão, ou mandarei Chul e Mica te amarrarem em uma cadeira enquanto cantamos Parabéns agressivamente e jogamos bolo na sua cara.
— Sim, Arthur, por favor, não faça alarde! — provocou Caera, aproximando-se e fazendo uma reverência para minha mãe. — Alice. Fiquei honrada com seu convite, embora deva dizer que o meio de transporte deixou a desejar.
— Ei! — Regis resmungou, sacudindo-se enquanto recolhia as asas. Ele a cutucou com a cabeça. — Achei que foi uma ótima viagem.
Ela inclinou-se para mim.
— Sim, porque ele ficava fingindo que havia “turbulência”, como ele chamava, só para que eu me segurasse nele com mais força.
Eu ri, um calor irradiando do peito e tomando todo o meu corpo.
— Ele ainda está chateado com a história do nome.
— Trio dos Cornos era um nome ótimo — retrucou, entrando em casa.
Caera revirou os olhos.
— Temos muito o que conversar, Arthur. Decidimos por um sistema em que áreas locais elegem um representante, e então todos esses representantes se reúnem e votam no que estamos chamando de “presidente”. Quero muito saber sua opinião.
— Claro — respondi, sem conseguir esconder totalmente a diversão na minha voz.
— Vamos, vamos — disse minha mãe, puxando-me para dentro atrás de Caera. — Por que estou mais animada com isso do que você?
Esfreguei a nuca e olhei para o rosto de mamãe, notando suas bochechas coradas, olhos sem foco e copo meio vazio.
— Acho que sei o porquê. Mas… obrigado. Por tudo.
Ela segurou meu braço e me guiou em direção à sala de jantar.
— De nada, Arthur. Mas é só o que as mães devem fazer, não é? Eu te amo.
— Também te amo, mãe.